EFICÁCIA DO EFEITO SUSPENSIVO DAS APENAÇÕES NA JUSTIÇA DESPORTIVA – por Zacarias Barreto
Chicão, zagueiro da equipe Unidos Venceremos, pegou um gancho de quatro partidas aplicado pelo TJD por atuação imprudente na disputa da jogada contra o atacante Fiinho (art. 254, § 1º, I, do CBJD). Em recurso voluntário, conseguiu efeito suspensivo e jogou contra o Juventude, que perdeu o jogo. No prazo legal, o clube perdedor ajuizou representação à Procuradoria do Tribunal alegando que a inclusão de Chicão foi irregular, pois cumpriu apenas a suspensão automática. Com fundamento no art. 214 do CBJD, pretende aplicação da perda dos pontos ao Unidos Venceremos, que se defende amparado no efeito suspensivo obtido. Quem tem razão?
Essa é uma situação recorrente nos clubes de futebol, que consultam seus assessores jurídicos sobre a possibilidade de contarem com determinado jogador que, apenado com mais de duas partidas, apenas cumpre a suspensão automática
Por isso, vamos situar, na legislação vigente, a extensão da eficácia do efeito suspensivo que é conseguido em favor do atleta. Ou seja, devemos concluir se, conseguido o efeito suspensivo, poderá o atleta jogar de imediato, independentemente da quantidade de partidas a que tenha sido condenado pela Comissão Disciplinar.
O fundamento do efeito suspensivo
Sabe-se que no mundo desportivo não faltam críticas ao efeito suspensivo da apelação de atletas, sob o argumento de que ele pode estimular a violência na prática desportiva e até mesmo permitir a impunidade, principalmente quando a condenação do atleta é de várias partidas.
Todavia, é sabido que o efeito suspensivo da apelação na Justiça Desportiva é sempre buscado pelas entidades de prática desportivas, em proveito dos seus atletas, para evitar que decisões não definitivas desfalquem a equipe, muitas vezes em momentos decisivos de uma competição.
Ademais o instituto do efeito suspensivo da apenação, em qualquer área do Direito, guarda harmonia com o princípio da presunção da inocência, segundo o qual ninguém é culpado até o trânsito final da sentença condenatória.
Ele existe para evitar que julgamentos equivocados causem prejuízo irreparável para o atleta e, principalmente, para o clube que pode ficar privado de contar com um jogador em situações decisivas somente porque uma Comissão Disciplinar não foi bastante cuidadosa no julgamento da denúncia.
Hipóteses de Suspensão da Apenação
Ninguém ignora que, na Justiça Desportiva, a regra geral é o recurso voluntário ser recebido apenas com efeito devolutivo. Ou seja, o atleta sempre cumprirá a suspensão automaticamente, ainda que contra ele não exista condenação transitada em julgado, ou seja, definitiva. Essa norma é expressa no art. 147 do CBJD – Código Brasileiro de Justiça texto não deixa dúvida:
“Art. 147. O recurso voluntário será recebido em seu efeito devolutivo.” (Redação conforme a Res. Nº. 29, do Conselho nacional de Esporte – CNE, em dezembro/2009).
No mesmo sentido, assim dispõe o CBJD, em seu art. 147-A:
“Art. 147-A. Poderá o relator conceder ao recurso voluntário, em decisão fundamentada, desde que se convença da verossimilhança das alegações do recorrente, quando a simples devolução da matéria puder causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação”
Já o art. 147-B diz que:
Art. 147-B. O recurso voluntário será recebido no efeito suspensivo nos seguintes casos:
I- Quando a penalidade imposta pela decisão recorrida exceder o número de partidas (…) definido em lei, e desde que requerido pelo punido.”
Isso significa que há duas autorizações legais para a concessão de efeito suspensivo à apenação da Justiça Desportiva: na primeira, com fundamento no art. 147-A, o relator é livre para exercer seu poder de cautela, independentemente da quantidade de partidas originariamente aplicadas; na segunda, conforme previsto no art. 147-B, o relator está diante de uma norma vinculante, que impõe o recebimento do recurso com efeito suspensivo, desde que presentes dois pressupostos: a) apenação imposta pelo número de partidas definido em lei (superior a duas partidas); b) o atleta peça a aplicação do benefício.
Eficácia do efeito suspensivo
Já vimos qual o fundamento do efeito suspensivo e as hipóteses em que ele pode, ou deve ser concedido independentemente da vontade do auditor. Mas nossa missão aqui é delimitar quais os seus efeitos, ou seja, qual o alcance da sua concessão. Vejamos, portanto.
No caso do Chicão, ele cumpriu a suspensão automática de uma partida e foi apenado com quatro. Teve o efeito suspensivo concedido, por força imperativa de lei, porque quando a condenação é superior a dois jogos consecutivos, nenhuma opção resta ao auditor, pois ele terá que concedê-lo, se requerido pelo punido.
Então, qual a dúvida? Obtido o efeito suspensivo, não poderá o atleta jogar de imediato, desde que tenha cumprido a suspensão automática de um jogo? O esclarecimento dessa dúvida deve ser buscado no próprio CBJD, que assim dispõe no art. 147-B, em seu §1º:
“§1º. O efeito suspensivo a que se refere o inciso I apenas suspende a eficácia da penalidade naquilo que exceder o número de partidas ou prazo ou o prazo mencionados no inciso I. “
Ocorre que o texto desse parágrafo primeiro não é suficientemente claro, mesmo porque ele remete ao inciso I. Ademais, o entendimento fica ainda mais nebuloso, porque a redação desse inciso I também não é nada clara. Na realidade, ele deve ser necessariamente lido com a cabeça do artigo, para se entender que
o recurso voluntário será recebido [necessariamente, não podendo ser negado] quando a penalidade exceder o número de partidas definido em lei.
Portanto, não é de se estranhar que alguém indague qual seria essa lei a que se refere no inciso I do art. 147-B do CBJD. Ou seja, em qual lei se deve buscar esse número de partidas que, se excedido na condenação, o recurso voluntário será recebido necessariamente com efeito suspensivo?
Certamente, esse dispositivo não está se referindo ao próprio CDJD, porque, se assim fosse, seria mais fácil ter utilizado o vocábulo neste código, ao invés de em lei. Ademais, embora o CBJD, tenha eficácia de lei, tecnicamente não é lei, mas uma resolução expedida pelo Conselho Nacional de Justiça.
No rol das leis infraconstitucionais que regulam o desporto brasileiro, temos duas que regulam diretamente as relações desportivas, ou seja, o Estatuto do Torcedor e a Lei Pelé. Aquela não contém qualquer dispositivo regulando a punição de atleta. Esta, ao contrário, dispõe expressamente sobre a Justiça Desportiva regulando sua organização, funcionamento e atribuições. Também fixa os tipos de penas a que se sujeita os transgressores à disciplina e às competições desportivas, assim, como dispõe sobre os recursos assegurados ao infrator para lhes assegurar a ampla defesa e o contraditório.
Assim, a Lei Pelé (nº. 9615, de 24.03.1998), em harmonia com o princípio da inocência, prevê o direito a recurso (no art. 53, § 3º) e, logo no § 4º, disciplina sobre seus efeitos, ao dizer que:
“Art. 53 (…)
(…)
§ 3º. Das decisões da Comissão Disciplinar caberá recurso ao Tribunal de Justiça Desportiva (…) nas hipóteses previstas nos respectivas Códigos da Justiça Desportiva.”
§ 4°. O recurso a que se refere o § 3º será recebido e processado com efeito suspensivo quando a penalidade exceder de duas (2) partidas consecutivas (…)”
Ou seja, com um só dispositivo, a Lei Pelé define que: a) como regra, recebe-se o recurso somente no efeito devolutivo, ou seja, a suspensão será cumprida, mesmo se pendente recurso; b) quando a penalidade aplicada na Comissão Disciplinar exceder de duas (2) partidas consecutivas o efeito do recurso será suspensivo, podendo o jogador atuar e, caso não seja absolvido ou não tenha sua pena reduzida, cumprir a pena após a decisão final.
Portanto, é de se concluir que o CBJD, ao dizer, em seu art. 147-B, que o recurso voluntário será recebido no efeito suspensivo quando a penalidade imposta pela decisão recorrida exceder o número de partidas (…) definido em lei, ele está se referindo à Lei Pelé, ou, mais especificamente, ao seu art. 53, § 4º.
Como se vê, a eficácia do efeito suspensivo, que necessariamente é atribuído ao recurso voluntário que se insurge contra apenação superior a duas partidas consecutivas, somente se faz presente a partir da terceira partida. Em resumo, quando o relator concede efeito suspensivo, no caso, apenas suspende a eficácia da penalidade naquilo que exceder a duas partidas.
Solução do caso Chicão
Claro está que o Chicão jogou contra o Juventude sem cumprir a segunda partida, Logo, seu clube, Unidos Venceremos, perdeu essa batalha, somente porque não entendeu corretamente os limites da eficácia do efeito suspensivo concedido no recurso voluntário contra o gancho de quatro partidas. Na próxima, certamente seus assessores jurídicos saberão que, nesses casos, necessariamente o atleta tem que cumprir as duas partidas.
Zacarias Barreto
Membro do Instituto Pernambucano
de Direito Desportivo, Bacharel em
Direito e Oficial de Registro Civil.
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